
Lisboa
Eram 14:00 da tarde. O capitão do navio "Quality LSD” (Luvas Sem Dedos), saiu da cabine com a sua moleza pós-almoço, e com o seu cafezinho quentinho. O sol batia-lhe fortemente na cara. O capitão não foi de modas e bateu-lhe também. O seu nome, visto que merece ser conhecido, era Chico Godinho. Aproximou-se da borda do seu gigante navio e viu milhares de pessoas a despedirem-se dos soldados que partiam para a Guerra do Ultramar. E entre essa enorme multidão, ecoaram gritos a que todos se fizeram indiferentes, mas são gritos que vamos acompanhar e para onde se passa a nossa acção:
- CORRE SERAFIM! DESPACHA-TE! - grita Duarte, com uma mala ás costas, desesperado enquanto corre.
- ESTOU CANSADO, MAIS DEVAGAR! - responde Serafim, exausto, parando de seguida, agarrando na barriga, como se ela fosse cair - Que dor de burro...
Duarte repara, volta atrás, agarra no ombro do Serafim e pergunta muito calmo:
- Estás cansado?
- Estou com dor de burro. Tenho que descansar um pouco.
- Claro, compreendo. Descansemos um pouco então. Também estou com desejos suicidas.
- O quê? - perguntou Serafim.
- DESPACHA-TE! ELA VEM AI! - disse Duarte começando a correr, seguido de Serafim.
Correram mais um pouco, apressados e fugitivos em direcção ao navio, onde embarcaram, para Angola.
Bruno está de férias no Havai, Filipa é coveira, Duarte é chulo, Serafim é filósofo, Mariana é velha, magnata e russa, Rita é dona de casa e Iven é moscãoteiro.
Cá-a a Boca 28 – Angola 74, Amor de Juju
GUERRA! As colónias portuguesas revoltaram-se contra o, que se julga poderoso, Império Português. Milhares de tropas são enviadas todas as semanas.
Mas porque é que Duarte e Serafim foram para o meio da guerra? Endoidaram?
Voulez-vous savoir pourquoi?
24 de Setembro de 1973
Lisboa
Desde de que se conheceram, que existe um clima intenso e estranho entre Juju e Serafim. “Love is in the air”, pelo menos da parte da Juju. Sempre que se viam, os seus olhares dançavam com a melodia exótica do amor...Serafim vomitava e a moça delirava. “Ui tão sexy” pensava Juju. Serafim sempre teve um efeito desconhecido e avassalador sobre as mulheres Sahémê.
Mas Serafim sempre a detestou e desprezou. E agora a verdade é revelada.
Estava o Serafim a fazer uma pausa da sua vida de filósofo, a beber uma bejeca e a comer tremoços na tasca do Barrabás, quando entra Juju, toda produzida e oferecida:
- Serafim, queriduxo... – disse Juju com ar sedutor e com sotaque de tia de Cascais.
- Diz... – disse Serafim quase a cair no chão podre de bêbedo.
- Não queres beber mais bocadinho? – disse ela, sedutora espetando as suas mamas falsas (eram papéis enfiados no sutiã) em cima do balcão da tasca e oferecendo-lhe outra cerveja.
- S...im... – disse Serafim quase apoderado pela bebida.
Juju aproveitou este momento de fraqueza do Serafim que tanto ansiava e explorou até à exaustão, chegando ao ponto de Serafim ter mais álcool nas veias do que sangue. Aproveitou então e colocou a derradeira questão:
- Serafim, queres casar comigo?
- Ssss... – quase a dizer sim, mas com dificuldades devido à bebedeira e para dar um toque de suspense e tensão.
- NOOOOOOOOOOOON! – gritou Ivan, atirando um balde com água gelada à cabeça do Serafim – Engarde Juju, avec Serafim non vais casare! – disse Ivan com sotaque francês enquanto sacava da sua espada – Fugé Serafim, fugé pela tua vide!.
Serafim, com um alto na cabeça, porque levou com um balde na cabeça, e já meio acordado da bebedeira, fugiu da tasca do Barrabás, sem pagar conta, e enfiou-se num carro que lá estava e abalou.
- Luté avec moi Juju, ou és cobardé? – desafiou Ivan.
Juju saca de uma pistola e dá um tiro ao Ivan pois a sua generosidade não têm limites.
Saiu da tasca e viu o carro em que ia Serafim ao longe a 10 km por hora, pois apesar de bêbedo, o jovem era filósofo e respeitava a lei, e não ultrapassou o limite, e Juju foi atrás dele.
17 de Dezembro de 1973
Freixo de Espada à Cinta
- Tens que sair do país Serafim – disse Mariana enquanto massejava o seu mustache imaginário – eu não vou poder proteger-te para sempre.
- E para onde eu vou? – disse Serafim preocupada (não é um erro).
- Foge para a Angola, lá a Juju não te encontra.
- Para o meio da guerra?
- A guerra não é nada comparada à possibilidade de casares com a Juju.
Serafim ficou algo pensativo.
- Tu corres perigo Serafim, ela está completamente obcecada por ti. – Mariana virou-se para a lareira e acendeu um cigarro. – Com o objectivo de te salvar, tentei reunir a nossa irmandade. Liguei ao Bruno, mas ele não pode vir, está de férias no Havai.
- E o Duarte e a Filipa?
- O Duarte está no Vale de Santarém a fazer negócios com a mãe Kikas, e a Filipa está no cemitério a enterrar a Rita.
- A Rita morreu?
- Não tolo, estão a jogar às escondidas.
- Ah, assustei-me.
Mariana continuou a fumar o seu cigarrinho e sentou-se num cadeirão castanho. Colocou uns óculos e agarrou num livro “O silêncio dos Calados”:
- Agora vai dormir Serafim, precisas de descansar
- BOOM BABY! – disse Duarte, ao abrir a porta com um pontapé, trazendo um bolo que pousou no chão – cheguei, arrasei e já almocei!
- Duarte? O que estás a fazer aqui? – perguntou Serafim surpreso.
- As negociações com a mãe Kikas não correram muito bem…mas enfim…
- Duarte ainda bem que chegaste, temos que conversar sobre o Serafim… – disse Mariana.
- Sim, pois temos, mas primeiro posso fazer um telefonema?
- Está a vontade, o que é meu é teu…
- Adoro o facto de seres comunista – disse Duarte agarrando no telefone:
- Toucinho? – disse Duarte, numa tentativa de dar apetite à conversa em vez de usar o tradicional “Estou sim?”
- Quem fala? – perguntou a voz do telefone.
- Queria falar com Bruno, o preguiçoso que está de férias.
- Queria, já não quer?
- Não, não, eu ainda quero falar com Bruno.
- No entanto está a falar com um telefone – disse a voz, a prolongar a conversa estúpida e a rir-se.
- Bruno?
- É o próprio!
- Senhor Próprio… pode chamar o Bruno se faz favor?
- Essa conversa está-me a meter nojo – disse Mariana irritada.
- Sou eu o Bruno – respondeu a voz agora identificada.
- Bom Bruno, daqui é o Duarte e precisamos de falar…
Bruno ia para responder mas a chamada caiu:
- Ó meu deus! – disse Duarte assustado.
- O que se passa? – perguntou Mariana.
- Alguém cortou a linha telefónica… - disse sussurrando.
- Mas quem? – perguntou Mariana.
- CUCU! – berrou a Juju arrombando a porta.
- A JUJU! SALVE-SE QUEM PUDER! – gritou Duarte histérico.
- Esconde-te no frigorífico Serafim! – disse Mariana – e acalma-te Duarte! – terminou dando-lhe um estalo.
- Amor da minha vida! – disse Juju – MEU XUXU! Xuxu anda à Juju!
- Ele… não está cá. – disse Mariana, usando ao máximo as suas capacidades teatrais.
- Estás a mentir – disse Juju desconfiada – eu sei porque eu vi uma série sobre mentiras, au revoir!
Mariana caiu morta no chão, com um tiro na cabeça:
- NÃOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO! – gritou Duarte – ela caiu em cima do meu bolo…
- EU QUERO O MEU XUXU! – berrou Juju histérica.
- Tu queres o teu chuchu?
- Sim, o meu xuxu!
- Porquê é que não disseste logo Juju? Evitavas sangue e destruição de bolos…
- DÁ-ME O MEU XUXU! – berrou uma vez mais, cada vez mais histérica e irritante. Serafim permanecia no frigorífico, gelado.
- TOMA! – gritou Duarte atirando um vegetal chamado chuchu à cara da Juju – FOGE SERAFIM! CORREEEE!
23 de Abril de 1974
Angola, Mina de Diamantes
Estava um calor dos diabos. Alguém tinha deixado a porta do Inferno aberta. Viviam pacatamente em Angola à uns meses, a apanhar diamantes como quem apanha maçãs, descansados que a Juju nunca mais os incomodaria. À entrada da mina estava o Duarte, de fato branco, lenço vermelho, chapéu branco, bigode farfalhudo, com um dente de ouro e de charuto na boca, reconhecido cliché, mas ele gostava da pinta, e achava que era adequado. A sair, estava Serafim, de tronco nu, o único entre os trabalhadores a levar com o chicote, porque era masoquista, a levar um carrinho de diamantes.
- Vamos ficar milionários. – disse a Juju, aparecendo de repente.
- Juju? – disse Duarte assustado e surpreendido.
- Sim, sou eu, surpreso? – disse Juju com ar arrogante.
- Como é que estás aqui?
- O destino do Serafim é ao meu lado, e nada me vai impedir de estar com ele.
- SERAFIM FOGE! – gritou Duarte desesperado.
- Desta vez não. – disse Juju enquanto esfaqueava o Duarte. – Tu… perdeste! – Juju soltou uma poderosa e maléfica gargalhada.
Os trabalhadores fugiram e o Serafim escondeu-se no interior da mina. A Juju procurou-o, mas não o encontrou, desistindo e abandonando o local. À chegada da noite, Serafim rastejou na direcção de Duarte:
- Trio...trio… - disse Serafim sussurrando e preocupado.
- Estou aqui. – sussurrou Duarte, entre as pedras, ensanguentado, enquanto falecia...
- Trio, desculpa, eu não queria que vocês morressem. – disse Serafim quase a chorar...
- Trio, antes morrer, que casar com a Juju. - disse Duarte a rir e a tossir.
- E agora, o que vou fazer?
- A Filipa ajuda-te...
- Mas como?
- Eu enviei um código morsa...ela chegará amanhã. Foge a todo o custo da Juju. Não hesites, não olhes para trás Serafim. Deus toca-te... – Duarte fez uma pausa fechando os olhos e morreu.
- Duarte e Serafim curam-te – disse o Serafim a chorar e pondo-se de joelhos, para gritar dramaticamente – NÃOOOOOOO!
- BU! – disse a Juju aparecendo novamente de repente e sorrindo e dando uma marrada no Serafim que ficou inconsciente.
Caverna da Juju, dia 25 de Abril
Serafim acordou e abriu os olhos e estava amarrado a uma cadeira no centro da caverna, com pouca luz e com um lenço a tapar-lhe a boca. Juju, vestida de noiva, dançava à volta dele e lançava pétalas de rosas para o ar, toda feliz:
- Ai Serafim… – disse atirando-se para o colo dele – foi difícil mas finalmente vamos casar!
Juju põe um véu na cabeça e a caverna ilumina-se. Um pinguim surge com um piano e usando a sua habilidade musical, começa a tocar uma música de casamento. Quatro anões surgiram e colocaram rodas na cadeira do Serafim:
- E agora, senhoras e senhores, meninos e meninas – disse um homem, que surgiu atrás do Serafim e da Juju, de fato e gravata branco com brilhantes, com penteado à Elvis, de microfone na mão, com uma bomba presa à sua cintura e com um sorriso forçado – vamos ver o que está atrás da cortina vermelha!
A cortina vermelha abriu-se, exibindo um altar, um padre, várias cadeiras à volta do altar, todas cheias com pessoas mortas, mas com elásticos na boca para criar um sorriso:
- Um kit casamento para a Juju! – disse o homem do microfone, enquanto por toda a gruta ecoaram aplausos vindo de um disco gravado – Primeiro, o padre, sempre necessário para estas ocasiões! Um altar, importado da Igreja mais próxima. E a última novidade, o conjunto pessoas mortas sempre a sorrir, patenteado por Juju Sahémê. E peço agora, um forte aplauso para os noivos!
Uma vez mais, ecoaram pela caverna, aplausos, e a Juju e o Serafim, seguiram para o altar, estando presente um contraste evidente: Juju pulava de alegria e Serafim chorava de medo:
- Meus irmãos… estamos aqui reunidos para… – disse o padre que foi interrompido pela Juju que disse “ avance “ enquanto lhe apontava uma pistola.
- Serafim Saudade, aceitas Juju Sahémê, como tua legítima esposa, para…amar e…respeitar, até que a morte vos separe? – perguntou o padre.
Serafim abanou a cabeça negativamente, mas a Juju:
- É a maneira dele dizer sim, país diferente, o que se pode fazer? – disse com um riso forçado e continuando a apontar a pistola ao padre.
- E tu, Juju Sahémê, aceitas Serafim Saudade, para ser teu marido e …
- Aceito! – disse interrompendo, com uma expressão enorme de felicidade.
- Então pelo poder investido em mim pela Juju que me está a apontar a arma, eu vos declaro marido e mu…
- PAREM! – gritou a Filipa, que vinha vestida com um fato de Supermulher!
- Tu... – disse a Juju irritada.
- Juju, não faças isso, já morreu muita gente...deixa o Serafim ir em liberdade, ele é novo, tu também.
- NUNCA! Eu quero casar com o meu xuxu!
- Mas ele não, e tens de respeitar as liberdades e opiniões dos outros.
- Sim claro, mas tu pensas que isto aqui é o quê? Uma democracia? Aqui não há lei, não há direito, eu quero, mando e vou casar com o Serafim!
- Ai é? – disse a Super Fi com ar desafiador.
- É!
- Aloha ’Oe, Aloha ‘Oe … - cantava Bruno enquanto tocava cavaquinho.
- Bruno? – perguntou Juju surpreendida.
- SURPRESA!
- Merde – disse Juju.
Grande momento de tensão, Serafim desmaiou porque não aguentou a pressão de quase casar com a Juju, e Bruno, a Super Fi e a Juju, trocam olhares intensos:
- Não, não, não, eu quero casar com o Meu Xuxu – disse Juju histérica. – e vou casar... – saltou para o colo do Serafim, atirou o ramo de flores ao ar, e preparou-se para beijar o seu grande amor, enquanto a cortina vermelha desceu, uma corda puxou a cadeira para cima e o homem do microfone explodiu:
- NÃOOOO! – gritaram a Filipa e o Bruno em conjunto.
Tudo começou a abanar, pedras começaram a cair, escutava-se tiroteios e bombas A guerra chegava à caverna da Juju, que desapareceu com o Serafim:
- Temos que apanhá-la! – gritou o Bruno agarrando na mão da Filipa e a correr para fora da caverna que desabava.
Lá fora, entre os tiros e mortos correram:
- JERÓNIMOOO! – gritou um soldado, que de seguida morreu.
- Onde é que eles estão? – perguntou Bruno olhando em volta.
- ALI! – gritou a Filipa apontando para Juju que levava Serafim ao colo, em direcção a uma floresta – ela não pode lá chegar! DISPARA BRUNO!
- MAS EU NÃO TENHO ARMA! – gritou o Bruno.
- USA A VIOLA! – gritou Filipa.
Bruno parou. O som ficou distorcido. À sua volta, via soldados atirarem-se para o chão a fingirem que estão mortos. Olha para o seu cavaquinho e diz:
- Desculpa Matilde… - derramou uma lágrima – BANZAI! – gritou enquanto em câmara lenta atirou o cavaquinho à cabeça da Juju que caiu inconsciente, largando o Serafim.
Filipa e Bruno aproximaram-se da Juju e mataram-na, salvando o Serafim das suas garras.
O Serafim ainda está a tirar a tatuagem que a Juju lhe pôs no peito, Angola 74, Amor de Juju...
- Filipa, já não quero jogar às escondidas – diz a Rita dentro do caixão.
... Sem palavras...
ResponderEliminarÉ um dos melhores capitulos, definitivamente